Publicação no portal Comunique-se

Publicações recentes do New York Times e do jornal britânico Observer sugeriram que uma consultoria política, a Cambridge Analytica — empresa privada que combina mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral — obteve dados detalhados sobre cerca de 50 milhões de usuários do Facebook e compartilhou informações e análises com terceiros, incluindo a campanha presidencial de Donald Trump. O resultado disso é uma crise de reputação do Facebook.

A situação é tão preocupante que até mesmo os aliados do Facebook estão inseguros. No Twitter, Brian Acton, co-fundador do popular aplicativo de mensagens WhatsApp — que o Facebook comprou por US$ 22 bilhões em 2014 — incentivou pessoas a excluírem os perfis na rede social com a hashtag “#DeleteFacebook”.

Entre 16 de março e 21 de março, o preço das ações da empresa caiu 8,5%, o que significou US$ 45 bilhões em valor de mercado. O Facebook ainda é a oitava empresa de capital aberto mais valorizada do mundo, mas os acionistas temem que os políticos na Europa e nos Estados Unidos possam impor restrições onerosas aos dados, barrando o crescimento.

Os dados dos usuários do Facebook foram obtidos por Aleksandr Kogan, pesquisador da Universidade de Cambridge, que atraiu cerca de 270.000 pessoas para participar de uma pesquisa em troca de uma pequena taxa. Quando esses usuários instalaram o aplicativo de pesquisa, eles compartilharam detalhes sobre si mesmos e — inconscientemente — seus amigos, cerca de 50 milhões de usuários do Facebook no total.

O que isso afeta?

O escândalo repercute na política e na internet. O Facebook construiu um império de publicidade, com vendas de cerca de US$ 40 bilhões em 2017, reunindo informações detalhadas sobre as identidades e o comportamento dos usuários on-line, vendendo acesso a eles na sequência. O Facebook acompanha os usuários não apenas em seus serviços oferecidos gratuitamente — rede social de mesmo nome e o Instagram — mas também em toda a web.

Conhecer o usuário e saber quais suas paixões e vontades é útil para ações de marketing e publicidade. Entretanto, saber que se utilizou da prática de “Microtargeting” com o intuito de influenciar suas opiniões políticas e comportamento de voto é algo grave.

Embora a propaganda política ainda seja uma porcentagem minúscula das receitas do Facebook — talvez em torno de 3% — é uma linha crescente e lucrativa. Políticos descobriram que usar o Facebook pode pagar dividendos. O Facebook oferece ferramentas precisas para campanhas políticas, incluindo o alcance de usuários na rede cujos nomes, números de telefone e endereços de e-mail que eles já possuem. O Face também permite que as campanhas tenham como alvo eleitores que demonstrem interesse pelos mesmos problemas ou tenham perfis semelhantes, empacotando-os no que chamam de “públicos parecidos”. Nenhuma outra empresa ocidental, além do Google, possui dados tão ricos.

As campanhas de Barack Obama foram digitalmente sofisticadas e usaram o Facebook para alcançar eleitores em potencial. No entanto, Obama obteve a devida permissão para obter dados sobre os amigos das pessoas e não recolheu os dados dos usuários em escala industrial, ao contrário da campanha de Trump. A segmentação baseada nos dados da Cambridge Analytica pode ter ajudado o Trump a ganhar a presidência.

Difícil de explicar

Mark Zuckerberg se envolveu profundamente no assunto. O CEO da empresa, que normalmente gosta de se comunicar com o público por meio de posts bem elaborados no Facebook, foi forçado a sair de sua zona de conforto por causa dessa crise. Ele conduziu uma entrevista à CNN, seguida de desculpas de página inteira nos principais jornais dos EUA e do Reino Unido. Além disso, prometeu auditorias completas de desenvolvedores de aplicativos de terceiros e etapas para facilitar o controle das configurações de privacidade dos usuários.

Essas garantias básicas, contudo, podem não ser suficientes para reverter o moral corporativo e reconquistar o entusiasmo dos usuários. Estudos indicam que a confiança no Facebook despencou após o escândalo da Cambridge Analytica. De acordo com uma pesquisa da Reuters / Ipsos divulgada recentemente, menos da metade dos americanos (41%) agora confia no Facebook para obedecer às leis de privacidade dos EUA. Atualmente, 66%, 62% e 60% dos americanos confiam mais na Amazon, Google e Microsoft, respectivamente.

As marcas também são afetadas?

Nos EUA, a Federal Trade Commission (FTC) abriu uma investigação não pública que pode ter sérias consequências para o Facebook, já que a empresa assinou um decreto de consentimento com a agência de proteção ao consumidor em 2011. A quebra do acordo pode gerar penalidades financeiras de até US$ 40.000.

O mais preocupante é que os anunciantes estão começando a pausar anúncios ou deixando de investir em publicidade. Na semana passada, a Mozilla, fabricante de softwares populares, incluindo o navegador Firefox, e o Commerzbank, segundo maior banco da Alemanha, anunciaram que estavam suspendendo suas campanhas publicitárias na rede social. Eles se juntaram à Pep Boys, uma grande varejista automotiva dos EUA.

Em comunicado, a CMO da Pep Boys, Danielle Porto Mohn, explicou: “Estamos preocupados com as questões que cercam o Facebook e decidimos suspender todas as mídias na plataforma até que os fatos acabem e as ações corretivas sejam tomadas”.

Embora seja muito cedo para prever o que exatamente vai acontecer a seguir, é muito provável que outras empresas tomem o mesmo rumo.